sexta-feira, 11 de março de 2016

A JARARACA ESTÁ VIVA


A JARARACA ESTÁ VIVA

Péricles Capanema

O passarinho, hipnotizado pela jararaca, representa parte da opinião pública do Brasil

Vou pôr em relevo pontos complementares ao que li ontem e hoje, domingo, 6 de março. Depois da condução coercitiva para depoimento, o ex-presidente Lula falou à militância e terminou o discurso com ameaça: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca está viva”. A jararaca era ele, a jararaca era o PT, a jararaca era a causa defendida pelo PT, era o governo Dilma; enfim, era tudo o que simbolizava, como expressão máxima, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.

A imagem empregada me transportou instantaneamente à infância. Nasci em cidade do interior mineiro, na época pequena. Em menino matei muita cobra nas idas à roça. Tinha aprendido bem o método. Logo que via a cobra, procurava no mato um galho rijo, de preferência ainda meio verde, se possível mais de metro e meio. Desfolhava. Abaixava-me para horizontalizar o galho e batia forte no meio da cobra, nunca na cabeça. Uma pancada só, caso resolvido. Com a espinha quebrada, o animal não se movia.
Depois, vinha o esmagamento da cabeça. O primeiro golpe na cabeça é coisa de ignorante. Meus amigos, os sabidos homens do campo, gente do ramo — lembro-me, quantas saudades!, do Zé Reginaldo, preto velho, conhecia tudo —, avisavam o menino atento: — Nunca na cabeça o primeiro golpe; é difícil acertar e irrita a cobra. Você pode ser picado no bote de defesa. A primeira porretada, sempre no meio da cobra.
Pensei logo, Lula não sabe matar cobra? Inventou na hora a metáfora só para impressionar, sem se preocupar se estava certa ou não? Sei lá. Até para matar cobra não faz sentido a receita do PT.
Mas eu queria falar era de outra coisa. Os grandes líderes, em geral, quando comparam suas ações a animais, buscam simbologias que evocam nobreza, coragem, beleza. Napoleão, retornando da ilha de Elba, em linda imagem proclamava que a águia imperial voaria de campanário em campanário até conquistar Paris. Na Religião, o mesmo. Os quatro evangelistas são representados pelo homem, touro, leão e águia. Nosso Senhor, o Leão de Judá, comparou-se ao cordeiro, à galinha, mandou imitar a pomba e a serpente — nessa ocasião destacou só um aspecto, a prudência, retirando da comparação os demais atributos (Eu vos mando como ovelhas no meio de lobos; sede pois prudentes como as serpentes e simples como as pombas).
 O escritor sagrado, quando buscou o animal que mais retrataria a ação demoníaca na tentação a nossos primeiros pais, escolheu a serpente. Uma jararaca. Curioso, o PT quer intimidar recorrendo à cobra. O leão também é bicho apavorante. Ou o falcão, ou a águia. Mas o PT percebe que seria gritantemente artificial utilizá-los em suas comparações. Ser como a jararaca soa natural.
Na imaginação dos povos, a serpente simboliza perversidade, agressão insidiosa, deslealdade, emboscada, sordidez. E amedronta muito. Aliás, logo depois de Lula julgar que a jararaca, em resumo expressivo, simbolizava bem o que pretendia transmitir, por inadvertência de uma deputada comunista, tivemos deprimente exemplo da sordidez ao ouvir o que o petista vociferava a uma senhora, a presidente da República, em vídeo divulgado por Jandira Feghali: “Lula está nesse momento conversando com a presidente da República”, relatava empolgada a parlamentar. Nem vou transcrever o que Lula dizia desembaraçadamente à Presidente, pelo visto julgado por ambos a coisa mais natural do mundo, ali estava autêntico, sem maquiagem propagandística, o ambiente petista [foto da repugnante cena]. 
Concordo com Lula: a jararaca está viva. Por que preocupa? Atenção, não é só, nem principalmente, porque pica e mata. É sobretudo pela capacidade de seduzir, trazendo, postas certas condições, o passarinho para sua boca. O passarinho hipnotizado representa parte da opinião do Brasil. Ninguém agora está tratando da capacidade sedutora da jararaca; mas não foi sobretudo a intimidação da militância que nos jogou no buraco, mas sim, a gigantesca capacidade de iludir do petismo e de seus companheiros de viagem.
As análises destacam, o PT está utilizando o episódio para atiçar a militância e tentar incendiar as ruas, para, por intimidação, o primeiro dos efeitos, isto é, ver se diminui a adesão popular ao ato oposicionista programado para o próximo domingo, 13. Nessa direção, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (o patriota dos dólares levados por seu assessor), nos últimos tempos em geral trabalhando mais como  bombeiro do que como incendiário, desta vez carregou delirantemente nas tintas. 
Qualificou a condução coercitiva de “tentativa de golpe da direita, de setores da Polícia Federal, do Ministério Público e de grande parte da mídia. Foram além do limite”. Apontou a meta: — A militância do PT tem que reagir e dizer ‘não’ ao golpe. Deve-se ter uma agenda de combate ao golpe iniciado pela oposição…
Em suma, a intenção da cúpula partidária está clara: aproveitar o episódio para mandar o corneteiro tocar “cavalaria, avançar”, “cavalaria, degolar”. Antes, nos últimos anos, o que levou ao triunfo estava mais para o flautista de Hamelin, a saber, adormecer, embair, afundar, criar um gigantesco poder encantatório. Agora, posta de lado a flauta aliciante, a cúpula petista espera aferventar a militância com a corneta do combate. Vai dar certo?
Apresenta seus riscos. O bruxedo petista funcionou com a opinião pública meio adormecida, abobada com o “Lulinha, paz e amor” e recursos semelhantes. Veio a era da bonança dos preços das commodities. Agora, pobreza e desemprego aumentando, oposição crescendo; para amedrontar anunciam com estrondo o “cavalaria avançar” e o “cavalaria, degolar”. Será que o brasileiro médio vai se intimidar? Ou causará efeito contrário, isto é, aumento do ânimo reativo e cristalização de posições?
Historicamente prejudicou mais a capacidade de iludir, na qual para a militância petista intimidante — mais fumaça que fogo — era recurso valioso, usado em especial para amolecer resistências de setores conservadores reativos. A cantilena, era preciso ceder um pouco, não dava mais.

Todavia, os grandes instrumentos sempre foram outros: o esquerdismo burguês, a colaboração eclesiástica, a superficialidade otimista e descuidada dos opositores, bem como a patrulha implacável contra tudo o que representava vigilância lúcida. 
Repito aqui, a intimidação dos movimentos sociais é coisa séria e deve ser tida em consideração. Contudo, atenção, ela é mais fumaça que fogo. Boa parte dela é de gente paga, ódio de aluguel. Decisivas continuam sendo as outras formas de colaboração com a esquerda.
Fonte: Agência Boa Imprensa - ABIM

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