quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Reserva legal, informação útilíssima



Acabou a exigência de 
Reserva Legal?

Evaristo Eduardo de Miranda

Sim. Grande parte dos produtores rurais em todo o Brasil pode proceder à regularização ambiental de seus imóveis mesmo sem possuir áreas destinadas à Reserva Legal, sobretudo nas regiões no Sul, Sudeste, Nordeste e Centro Oeste.

A necessidade efetiva de possuir a Reserva Legal deve ser o primeiro assunto examinado pelo proprietário, antes mesmo de pensar em se inscrever no Cadastro Rural Ambiental, o CAR. Além do tratamento privilegiado para áreas com até quatro módulos fiscais (4,6 milhões de casos e 88% dos imóveis existentes), o novo Código Florestal, a Lei 12.651/2012, eliminou a exigência de recomposição, compensação ou regeneração da Reserva Legal quando o desmatamento ocorreu em conformidade com a lei de seu tempo.

Em seu art. 12, a Lei 12.651 estabelece que todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, mas excetua os casos previstos em seu artigo 68. E oart. 68 é claríssimo: “Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei”.

Quais eram as leis vigentes nas diferentes datas em que ocorreram desmatamentos na agricultura brasileira? O assunto não é tão complexo como parece. Ele deveria compor as explicações das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente ao orientarem os produtores quanto à regularização ambiental e ao preenchimento do CAR. Deveria. Não está sendo assim.

O caso mais simples é o dos imóveis em áreas de cerrados. Quem ocupou os cerrados até julho de 1989, mesmo que tenha desmatado integralmente seu imóvel, está desobrigado da exigência da reserva legal. Até essa data só havia exigência de Reserva Legal em formações florestais. A Lei 7.803, de 18.07.1989, ao alterar o Código Florestal, acresceu o parágrafo 3º ao art. 16 do Código Florestal de 1965, como segue: “Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% para todos os efeitos de lei”. Ou seja: exigência legal nova, que não existia antes.
Ora, grande parte da expansão da cana-de-açúcar em S. Paulo, entre os anos 80 e 90, ocorreu em cerrados. Basta ao produtor documentar sua situação histórica e, pelos termos da própria lei, estará desobrigado de cadastrar no CAR uma área de Reserva Legal em seu imóvel.

Já nas florestas, existem três grandes situações em termos de legislação: antes de 1934, de 1934 a 2000 e de 2000 até o novo Código Florestal.

A primeira legislação efetiva sobre percentuais de preservação florestal data dos anos 30, o chamado Código Florestal de 1934, destinado a regulamentar “florestas existentes no território nacional”. Quem desmatou antes dessa data está “isento” da Reserva Legal. E são muitos casos e regiões de ocupação secular, principalmente ao longo do século XIX.
Na vigência do Decreto 23.793, de 1934 a 1965, permitia-se a derrubada de três quartas partes das terras cobertas de matas; impunha-se a preservação de 25% de tais matas; incluíam-se, nesse percentual a ser resguardado, as áreas de preservação permanente; a base de cálculo para o que se haveria de preservar eram as matas existentes, e não a área total do imóvel.
Em 1965, a situação foi alterada pela Lei 4.771. Seu art. 16 dizia: “nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente”.

Em resumo, de 1965 a 2000 impôs-se a preservação de 20% da área da propriedade com cobertura arbórea localizada; a base de cálculo para incidência do percentual a ser preservado, mais uma vez, era a área da propriedade com cobertura arbórea, e não toda e qualquer área do imóvel.

Em 2000, com a Medida Provisória 1.956-50, em redação repetida por aquelas que se lhe seguiram até a MP 2.166, modificou-se o teor do art. 16 do Código Florestal de 1965. Além das florestas e das áreas de cerrado anteriormente protegidas, ampliou-se o conceito de reserva florestal legal para abranger também as outras formas de vegetação nativa.

Contudo essas exigências não são retroativas. A obrigação de preservar os cerrados foi instituída pela Lei 7.803 de 1989, e a de resguardar as outras formas de vegetação nativa foi introduzida pela Medida Provisória 2.166 de 2000. O mesmo vale para as florestas com suas legislações pertinentes. A base de cálculo passou a ser um percentual em relação à área do imóvel, apenas com o Código Florestal de 2012. Qualquer das exigências de Reserva Legal deve ser observada apenas e sempre em relação ao futuro. Ninguém pode se comportar no presente prevendo uma legislação futura.

Para fazer retroagir esses dispositivos, o Ministério Público moveu ações judiciais contra produtores rurais em todo o país, acolhidas, em parte, em instâncias do Judiciário. Diante desse questionamento, a Sociedade Rural Brasileira (SRB), apresentou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.495 questionando se o art. 44 do Código Florestal de 1965, trazia a obrigação de recompor, compensar ou regenerar a Reserva Legal a todos os proprietários.

Diante da nova Lei Florestal, o Ministro relator Marco Aurélio de Melo, em 26.08.2013, reconheceu a perda de objeto da ADI 4.495. Não apenas pela revogação da lei questionada, mas também pela assimilação dos argumentos da SRB na ação pelo art. 68 da nova lei: “A Lei nº 4.771, de 1965, com alterações posteriores, foi revogada pela Lei nº 12.651, de 2012, vindo o artigo 68 dela constante a regular a matéria no sentido buscado pela requerente.” Essa manifestação do Ministro relator do STF reiterou aos poderes públicos a necessidade de respeito aos desmatamentos legais ocorridos com a observância da legislação da época da supressão.

A exegese do novo Código, tal como proposta por secretarias de meio ambiente e até por consultores e juristas da área rural, parece ignorar a existência do art. 68 do novo Código Florestal. Na orientação de como preencher o CAR, ele deveria ser o primeiro tópico considerado, mas às vezes nem aparece. Isso vai desorientar os produtores e levá-los a cumprir com ônus e exigências ambientais indevidas. Por que os secretários estaduais de agricultura não atuam nesse tema com a área ambiental?

Em todos os casos, os fatos históricos, os documentos existentes – em particular fotos aéreas, imagens orbitais, mapas etc. – trabalhados com geotecnologias e métodos de gestão territorial, permitem de forma inequívoca atestar o desmatamento em conformidade com a lei do tempo.

Analisar em bases técnicas a situação da Reserva Legal em cada imóvel rural e os vários cenários e possibilidades em cada caso interessa a milhões de produtores. Mais do que apressá-los a se inscreverem no CAR, é urgente orientá-los sobre como avaliar a regularização ambiental de seus imóveis.

BOX – RESERVA LEGAL

Além de reiterar a legalidade da supressão da vegetação natural em conformidade com a legislação do tempo em que ocorreu, o atual Código traz outras determinações relevantes no caso da Reserva Legal:

1 – Dispensa a obrigação de sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis, determinando o dever do “registro da Reserva Legal no CAR”;
2 – Considera como Reserva Legal a vegetação nativa porventura existente no imóvel em 22.07.2008, seja qual for esse percentual, nos imóveis rurais com até quatro módulos fiscais;
3 – Define várias formas de recompor a Reserva Legal, admite o plantio associado de espécies exóticas em até 50%, além da regeneração natural;
4 – Admite o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no porcentual de Reserva Legal exigido, em cada bioma;
5 – Aprova a exploração para autoconsumo, sem burocracia, e até o uso comercial da Reserva Legal.


Publicado em:

MIRANDA, Evaristo Eduardo de; COSTA, J. M. Acabou a exigência de reserva legal? Agroanalysis (FGV), v. 34, p. 29-30, 2014.

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