domingo, 24 de março de 2013

O "apagão" que ameaça as exportações


Editorial Econômico

O cancelamento de uma compra de 2 milhões de toneladas de soja brasileira pela Sunrise, maior trading chinesa, na semana passada, é um aviso que não pode ser minimizado


O cancelamento de uma compra de 2 milhões de toneladas de soja brasileira pela Sunrise, maior trading chinesa, na semana passada, é um aviso que não pode ser minimizado. Anunciado por especialistas e temido por empresários, principalmente por exportadores, o apagão logístico do país pode estar mais perto do que se pensa.

Este ano, o Brasil deveria estar comemorando não apenas a colheita de mais uma safra recorde de grãos, mas também a perspectiva de importante alívio nas contas externas com a receita de exportações do agronegócio. Somente a soja tem previsão de faturar nada menos do que US$ 32,5 bilhões com exportações, superando até mesmo as vendas externas de minério de ferro, estimadas em US$ 30 bilhões.

Mas essas metas podem estar comprometidas. Não foi sem motivo que a importadora chinesa cancelou a encomenda. Ela deveria ter recebido seis navios em fevereiro e seis em março. Mas os atrasos cada vez maiores no embarque da soja no Porto de Santos, obrigando os navios a longas e custosas esperas, tornaram o negócio desinteressante.

Ocorre que, assim como a mineração, a produção agrícola em escala compatível com o status de competidor no mercado internacional é estruturada no tripé campo, ferrovia/rodovia e porto. No Brasil, as distâncias entre as lavouras e os portos tornam ainda mais sensível a questão da logística de transportes. O país começa, então, a pagar mais caro por não ter levado a sério a importância de ter se tornado uma potência mundial na produção de alimentos e de outras commodities. Descuidou perigosamente da modernização administrativa, da atualização tecnológica e da ampliação da capacidade operacional dos portos.

O resultado pode ser conferido nas últimas semanas, do lado de fora do Porto de Santos, o maior do país: filas de inacreditáveis 30 quilômetros de caminhões carregados de soja, esperando há dias para descarregar a soja que dezenas de navios, às vezes mais de uma centena deles, também esperam, atracados, receber e levar a mercadoria para os importadores, que apostaram na nossa capacidade de cumprir contratos.

Quem arriscou capital no emprego de tecnologia moderna no plantio, no trato e na colheita da plantação acabou colocando em evidência a ineficiência do Brasil defasado, modorrento, cartorial e corporativo dos portos. Maior do que a distância que separa os campos de soja do Centro-Oeste do litoral é a desanimadora diferença entre a produtividade obtida da porteira das fazendas para dentro e o imenso cipoal de obstáculos montado dali para a frente. Burocracia, impostos elevados e antiquados arranjos corporativos estão à espera da produção, prontos a encarecer seu trânsito e retirar do Brasil pedaços preciosos da sua competitividade.

A constrangedora justificativa para o cancelamento da compra da soja brasileira pela trading chinesa pode não se propagar para outros importadores. Mas a presidente Dilma Rousseff, interessada em garantir crescimento razoável da economia, tem motivos de sobra para acelerar a aprovação da Medida Provisória 595, que muda a regulamentação do sistema portuário. Para ontem.


Correio Braziliense, 24 de março de 2013

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