quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Imaginação fértil?

x
O Kosovo da Amazônia
z
..................................................Predrag Pancevski
x
x
Kosovo é uma região no sul da Sérvia, país que fazia parte da antiga Iugoslávia. É um lugar muito especial para os sérvios, que o consideram o berço da sua civilização, e é o local onde se desenrolaram os mais importantes eventos de seus 2 mil anos de história.
x
Para reforçar a sua política de integração o regime autoritário do presidente Tito deu muitos incentivos às diferentes minorias étnicas, entre outras, à albanesa, já que a Albânia faz fronteira com Kosovo.
x
Jornais de língua albanesa, noticiários, escolas... pouco a pouco, em razão dos incentivos governamentais, a população de Kosovo foi se tornando predominantemente albanesa.
x
Quando do fim da União Soviética, seguido do desmembramento da Iugoslávia, os kosovares albaneses aproveitaram o momento oportuno para reivindicar a independência de Kosovo. Os sérvios, indignados, negaram qualquer possibilidade de acordo.
x
Criou-se uma polêmica entre os outros países. Juristas especializados em direito internacional consideravam a reivindicação improcedente. Por outro lado, muitos opinavam que a solicitação era justa dada a maioria esmagadora da atual população ser albanesa. Quem está com a razão?
x
É uma questão difícil de ser respondida e para cada argumento haverá um contra-argumento. Kosovo já proclamou unilateralmente a sua independência, apoiado pelas potências européias.
x
A Sérvia vive um impasse político: recusar e perder para sempre a fonte da sua identidade cultural ou concordar, comprando assim o seu ingresso na União Européia.
x
Recentemente, a Rússia invadiu a Geórgia para garantir a autoproclamada independência da Ossétia do Sul, baseada no fato de que a população dessa região é predominantemente russa.
x
Ante as críticas do Ocidente, a Rússia rebateu dizendo que a situação é idêntica à de Kosovo, em que os países ocidentais, liderados pelos EUA, reconheceram a proclamação unilateral da independência.
x
No fundo, à margem de julgamentos éticos, cada país está apenas defendendo os seus interesses: os EUA minando a Sérvia, tradicional aliada dos russos e enclave estratégico nos Bálcãs, e a Rússia, em contrapartida, enfraquecendo a Geórgia, aliada dos norte-americanos.
x
O propósito deste artigo é alertar para a situação similar em que se encontra o Brasil em relação às reservas indígenas na Amazônia. Tomemos como exemplo a reserva ianomâmi, no extremo norte do Brasil.
x
Não é de hoje que diversos países estrangeiros vêm questionando a soberania brasileira na Amazônia. Grande parcela da população no exterior considera a Amazônia patrimônio da humanidade e, portanto, defende a idéia de que o controle e a gestão desse “pulmão do mundo” não deveriam estar concentrados num único país.
x
As notícias recorrentes de desmatamentos e queimadas monumentais, de descaso e corrupção das autoridades e da total falta de infra-estrutura do governo para fazer valer a lei não contribuem para melhorar a imagem do Brasil no exterior.
x
Junte-se a isso o fato de que os índios na reserva se autodenominam “nação ianomâmi”, de etnia, cultura e língua totalmente distintas, detentora de um vasto território fronteiriço e bem demarcado, e teremos uma situação potencialmente explosiva.
x
Os “nossos” índios, em sua maioria, vivem num limbo socioeconômico-cultural, marginalizados como brasileiros e vivenciando o pior da civilização moderna. Eles percebem o governo como o grande obstáculo que os impede de explorar os imensos recursos minerais, biológicos e energéticos das terras herdadas de seus antepassados.
x
Vamos imaginar um agravamento drástico das relações internacionais e uma deterioração das relações Brasil-EUA, a exemplo do que já ocorre entre os EUA e a Venezuela.
x
Somemos a isso um eventual aprofundamento da ainda longe de ser superada crise boliviana ou o reaquecimento do confronto Venezuela-Colômbia, polarizando a geopolítica sul-americana. Vamos supor que a Rússia aumente ainda mais a sua presença militar no continente por meio de sua parceria com a Venezuela e com os outros aliados.
x
Aproveitando a oportunidade, a “nação ianomâmi” declara a sua independência. Imediatamente, diversas entidades ambientais apóiam o ato, seguidas do reconhecimento diplomático dos EUA e dos países que estão na vizinhança do território. Outras reservas indígenas seguem o exemplo, desmembrando o Brasil.
x
A moeda de troca é fácil de encontrar: independência para os índios, dando-lhes o direito de usufruir os recursos minerais e ambientais de suas terras. Em contrapartida, ao mundo é feita a promessa de uma exploração racional dos recursos, implantação de lei e ordem na região, viabilizando a preservação do ecossistema.
x
Aos EUA é dada exclusividade na produção e comercialização dos produtos e, principalmente, em acordos para a instalação de bases militares estrategicamente situadas no centro do continente, como contrapeso à expansão russa.
x
A redução do poder brasileiro é vista com bons olhos pelos países vizinhos, ainda ressentidos das diversas disputas territoriais perdidas para o País no passado. Kosovo e Ossétia do Sul servem de jurisprudência e uma força internacional de “paz” é formada para garantir a independência dos novos países.
x
Imaginação fértil? Antes da crise balcânica, se dissessem a um sérvio que Kosovo seria anexado pela Albânia em poucos anos, ele certamente chamaria o interlocutor de insano. No entanto, é isso o que está acontecendo.
x
Num mundo cada vez mais dependente de espaços livres e recursos naturais, a pressão externa sobre a Amazônia será cada vez maior. Agir preventivamente, com a adoção de políticas adequadas e investimentos condizentes com a amplitude do problema, é a única forma de garantir a soberania para as gerações futuras.
x

Predrag Pancevski, mestre em Economia e Finanças, professor na Fundação Getúlio Vargas, nasceu em Belgrado, na antiga Iugoslávia E-mail: pancevski@fgvmail.br
x
Fonte: OESP, 30 outubro de 2008
x

Nenhum comentário: